OMBRO DOLOROSO
O número de doentes com problemas/dor do ombro tem vindo a crescer de modo significativo. As razões do sofrimento destes doentes estão na maior parte das vezes associadas com gestos do quotidiano, que obrigam ao uso frequente e muito repetido dos braços, originando “lesões por esforço repetitivo”.
Muitas destas lesões são também lesões de “desgaste”, directamente proporcionais à idade. O aumento da esperança de vida das populações leva a que um número crescente de cidadãos alcance a faixa etária aonde esta situação é mais frequente.
Muitas vezes a origem da dor é evidente, porque é sentida nessa parte do corpo.
Contudo, há muitos casos em que a dor constitui um verdadeiro quebra-cabeças para os doentes pelo facto de apresentar particularidades que os confundem.
Entre elas chamamos a atenção para as seguintes:
- A dor pode apresentar-se de modo insidioso, por surtos, ou seja: algumas vezes dói enquanto noutras até parece que está tudo bem.
- A dor pode só se manifestar com gestos mais súbitos. Há normalmente uma limitação da elevação lateral (abdução) do braço.
- Não existe uma relação directa da actividade com a dor, ou seja: pode haver alturas em que o doente tem a capacidade de efectuar uma série de trabalhos sem problemas de maior enquanto noutras, aparentemente de maior descanso, a dor se manifesta.
- É habitual – na verdade mesmo típico – a dor aparecer ou intensificar-se à noite, na cama, podendo interferir com o sono. A dor costuma aparecer pouco tempo depois do doente se deitar. Geralmente este facto surpreende os doentes, que não compreendem a razão porque são capazes de se manter activos durante o dia sem grandes problemas e precisamente quando estão na cama, em repouso,é que a dor se manifesta.
- Outro factor de grande confusão e perplexidade é o facto da dor poder nem sequer ser sentida no ombro, mas, p. ex., no braço. É comum a dor sentir-se no(ou irradiar para o) braço (geralmente sem passar do cotovelo) ou para a zona da coluna cervical (pescoço). Às vezes o doente até pensa estar a sofrer um “enfarte”.
- Embora difícil de explicar, a nossa experiência indica que o ombro doloroso é muito sensível às condições climatéricas. Esta nossa observação é substanciada pelo facto de verificarmos na nossa práctica clínica ser comum os doentes sentirem-se pior durante os meses frios e húmidos, melhorando de forma espontânea durante os meses de verão. Também a análise da nossa estatística operatória nos indica operarmos muitos mais doentes ao ombro durante os meses de Outubro a Abril, diminuindo significativamente de Junho a Setembro, de uma maneira que não é facilmente explicável só pelo factor “férias”.
Entendemos ser também muito importante perceber que a origem das dores muitas vezes não está relacionada com a articulação do ombro propriamente dita mas sim com os tecidos envolventes como a bursa (bursite) ou os tendões(“tendinite”, rotura muscular, etc.)
COMO SE CHEGA AO DIAGNÓSTICO
Em primeiro lugar o diagnóstico é clínico. Um exame clínico bem sistematizado, associado à experiência do ortopedista, levam a que com relativa frequência o diagnóstico possa ser feito, ou pelo menos suspeitado com alto grau de probabilidade, só pelo exame. No entanto importa referir que os exames complementares são fundamentais para o diagnóstico, sobretudo quando existem sintomas sobrepostos ou queixas vagas que dificultam o mesmo.
EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO
- Raio X
- Ecografia
- TAC
- Ressonância Magnética (RMN)
Raio X
O “simples” Rx é, não só fundamental, como muitas vezes o único exame complementar necessário. Nunca o dispensamos. Pode dar uma série de informações essenciais a nível ósseo, sendo, p. ex., o melhor exame para diagnosticar “calcificações” (“tendinites calcificadas”).
Ecografia
A ecografia tem como vantagens: ser barata, rápida de realizar e, do ponto de vista do doente, fácil de fazer.
Infelizmente também tem desvantagens: o resultado é muito dependente de quem o realiza, é difícil de interpretar por terceiros e os dados que fornecem são limitados. Costumamos pedir este exame quando o doente tem dificuldades em fazer a RMN.
TAC
A TAC, contrariamente ao conceito generalizado, tem muito pouca utilidade no diagnóstico do ombro doloroso, excepto no caso de fracturas complexas, em que é o exame de eleição.
RMN/Artro-RMN
A RMN, com ou sem contraste (Artro-RMN), é o exame de eleição na maior parte dos casos de ombro doloroso nos quais o Rx não é suficiente, sendo o melhor exemplo os casos de rotura da musculatura “mais interna” ou “profunda” do ombro (músculos da coifa). Embora a ecografia também possa ser diagnóstica, sobretudo tratando-se de roturas extensas e/ou completas, a especificidade da RMN é inigualável.
CAUSAS DO OMBRO DOLOROSO
As causas do ombro doloroso são muitas, podendo ser:
- de causa Traumática ou Não Traumática (aguda)
- no doente jovem ou no idoso.
- Agudas ou Crónicas
- Articulares/Periarticulares ou Extra-articulares
QUAL O TRATAMENTO
Naturalmente, o tratamento está dependente da causa exacta do problema, ou seja, depende do diagnóstico. Depende também do estadio da doença (mais ou menos avançada) e do estado clínico do doente (mais ou menos incapacitado).
Como é habitual na maior parte dos problemas ortopédicos, o tratamento pode dividir-se em: Conservador ou Cirúrgico.
TRATAMENTO CONSERVADOR
Tratamento conservador ou “médico” é todo aquele que não inclui “operações”.
Inclui:
- Medidas gerais
- Medicamentos
- Infiltrações
- Fisioterapia
MEDIDAS GERAIS
Tais como: repouso selectivo da articulação, ou seja, evitar exercícios ou actividades que objectivamente pioram a situação.
MEDICAMENTOS
Anti-álgicos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares estão entre os mais utilizados. Sujeitos a orientação médica.
INFILTRAÇÕES
Habitualmente com produtos à base de cortisona ou derivados.
As infiltrações têm vantagens e inconvenientes.
Vantagens: baratas, fáceis de aplicar por médico experiente, com resultados imediatos ou a curto prazo, por vezes conseguem debelar a dor do doente de maneira espectacular, por assim dizer, “da noite para o dia”.
Desvantagens: existe o perigo de tratar o sintoma (dor) sem tratar a causa. Excepto no caso de bursites “isoladas” ou “pontuais” e tendinites “puras”, também de origem inflamatória, existe o perigo do doente, livre da sua dor, aparentemente “curado”, recomeçar actividades capazes de agravar as lesões a médio ou longo prazo, tornando depois a sua resolução mais difícil.
Muitas autoridades médicas de indiscutível prestígio chamam também a atenção para o facto da cortisona poder ter uma acção directa prejudicial sobre os tendões e estruturas similares (tecido conjuntivo, “colagénio”).
FISIOTERAPIA
( * capítulo elaborado pela terapeuta Joana Lopes)
A abordagem da fisioterapia vai depender do ponto em que se encontra a doença e das características desta e da pessoa. Todos os casos são diferentes e sendo assim há que desenvolver um plano de actuação personalizado – cada caso é um caso – respeitando sempre a fase de evolução em que se encontra o doente e de acordo com as suas queixas.
A sintomatologia apresentada indica o rumo a tomar em termos de fisioterapia.
O objectivo final é sempre a recuperação total do doente.
Dois aspectos que é muito importante perceber são os seguintes:
- A fisioterapia NÃO É um substituto para a cirurgia; é sim um complemento muito importante na recuperação pós-operatória (depois do doente operado), bem como em situações sem indicação cirúrgica.
- Uma coisa é tratar os efeitos, outra, tratar a causa dos problemas. Há casos em que a fisioterapia pode atenuar os efeitos, tais como diminuir a dor e a inflamação (é mesmo para isso que ela está indicada) mas nada pode fazer em relação à causa dos problemas. Um bom exemplo são as roturas musculares.
Se o caso tem indicação cirúrgica, ao parar a fisioterapia, o mais natural é as queixas voltarem a manifestar-se passado algum tempo, sem que isto tenha nada a ver com a qualidade da fisioterapia efectuada.
Para além do mais também há o perigo, (tal como no caso das infiltrações), do doente, sentindo-se melhor, reiniciar actividades que podem piorar a sua condição.
Sendo assim, quais são as indicações da fisioterapia? Repetimos:
- Casos sem indicação cirúrgica, tais como: episódios isolados de ombro doloroso desencadeados por um acidente traumático (p.ex.: uma queda) ou o exercício de uma actividade pontual, fora do comum, para a qual o doente não estava preparado fisicamente (p.ex.: andar o dia todo a mudar o recheio de uma casa ou a vindimar por “divertimento”).
- Quase indispensável: na recuperação funcional pós-operatória.
Entendemos também ser importante referir que muitas vezes a recuperação não se limita apenas ao ombro mas deve englobar outras áreas, como a coluna cervical ou o braço, para evitar ou tratar outros problemas associados, que podem ser devidos à imobilização e a descompensações musculares.
Finalmente queremos dizer que: o paciente é o maior responsável no processo de recuperação pós-operatória visto que, se não respeitar as instruções que lhe são dadas, nomeadamente em relação ao que lhe está indicado e contra-indicado, pode prejudicar a sua situação e atrasar ou mesmo impedir a possibilidade de uma recuperação total.
QUE TIPO DE FISIOTERAPIA?
– Técnicas de “Termo, Foto e Electroterapia”
– Técnicas de Terapia Manual
A selecção das diferentes técnicas está condicionada pelo estado actual do doente e pelos objectivos de tratamento a curto, médio e longo prazo. Mas, em termos gerais, podem-se utilizar técnicas de “termo, foto e electroterapia” e técnicas de Terapia manual.
As técnicas “não manuais” – aplicação de Calor Húmido, Gelo, Laser, Ultra-som, Electro-estimulação, etc. – são importantes e por vezes mesmo indispensáveis, mas são incapazes de fornecer informação directa sobre as condicionantes enumeradas no capítulo seguinte.
Uma vantagem da utilização das terapias não manuais é que a aplicação da maior parte destas não exige muito tempo e não obriga também à presença constante do terapeuta, factor que raramente constitui uma vantagem para o utente.
Pessoalmente, na nossa prática clínica, embora tenhamos ao nosso dispôr vários tipos de aparelhos sofisticados que utilizamos frequentemente como adjuvantes terapêuticos, preferimos dar mais importância às técnicas manuais visto apresentarem vantagens em relação ás outras.
Uma vantagem indiscutível é a “sensibilidade”, ou seja, enquanto executa estas técnicas o Terapeuta recebe informações tácteis em relação à consistência, temperatura, bloqueios articulares, crepitações, estabilidade articular, etc.
Assim sendo estas técnicas servem tanto para tratamento como para diagnóstico, dando assim a quem as executa uma maior noção da evolução do estado clínico do paciente.
Outra vantagem é a interacção entre o terapeuta e o paciente que promove uma troca de informação muito útil para o desenvolvimento de um plano de tratamento mais eficaz.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
O tratamento cirúrgico pode actualmente classificar-se como “aberto” ou “clássico”, “mini-invasivo” ou cirurgia artroscópica.
De uma maneira geral, o tratamento cirúrgico está indicado sempre que falha o tratamento médico ou se sabe antecipadamente que este não é eficaz.
Bons exemplos são: luxações e subluxações (instabilidade) do ombro que se repetem apesar do tratamento de reforço muscular (fisioterapia); casos de bursite crónica recidivantes, outros dependentes de alterações ósseas estabelecidas, roturas musculares.
TRATAMENTO CIRÚRGICO CLÁSSICO OU “ABERTO”
Inconvenientes:
. dificuldades técnicas
. insuficiência diagnóstica
. recuperação dolorosa e lenta
TRATAMENTO CIRÚRGICO MINI-OPEN
Como o próprio nome pretende indicar trata-se de um cirurgia “aberta” efectuada com recurso a incisões + limitadas (mais pequenas). O que se pretende é diminuir o tamanho das incisões, diminuir a dor pós-op. e acelerar a recuperação. Os objectivos são pois os mesmos da cirurgia artroscópica mas menos bem conseguidos. A vantagem para o cirurgião é serem (teoricamente) mais mais fáceis de executar tecnicamente.
Artroscopia
A palavra artroscopia deriva de: “artro”, articulação, e “scopein”, a palavra grega para examinar. Portanto, artroscopia é a arte de examinar por dentro as articulações. Mais conhecida do público em geral é o termo Endoscopia, palavra com a mesma etimologia (origem) significando olhar dentro (“endo”+ “scopein”). No fundo a artroscopia é a endoscopia das articulações.
O instrumento utilizado para o efeito chama-se artroscópio e basicamente consiste num tubo com um sistema óptico de visualização de imagens associado a outro de iluminação, depois ligado a uma fonte de luz.
Hoje em dia os artroscópios são na realidade video-endoscópios, ou seja, aparelhos que transmitem as imagens através de uma microcâmera, ou
CCD
, e com isso gera-se uma imagem electrónica.
o artroscópio
A cirurgia artroscópia é portanto uma video-cirurgia.
A grande vantagem deste tipo de cirurgia é, graças à excelente visualização e pequenas dimensões do aparelho, poder ser realizada através de orifícios muito pequenos, com múltiplas vantagens para o doente.
Por esse facto, a maior parte da cirurgia do ombro que realizamos é por técnica artroscópica.
Para apreciação das vantagens e inconvenientes da cirurgia artroscópica aconselhamos a leitura neste site de: CIRURGIA MINI-TRAUMÁTICA — MAIS ÀCERCA DA CIRURGIA MINI-TRAUMÁTICA.
Os efeitos negativos deste tipo de produtos a nível geral são também bem conhecidos. Contudo, regra geral, não são de recear efeitos secundários gerais significativos com a aplicação local de uma ou duas infiltrações.
O NOSSO PONTO DE VISTA
A nossa indicação principal para as infiltrações é:
- Doentes jovens, com um primeiro episódio de ombro doloroso, com o diagnóstico provável de tendinite aguda, sem suspeita ou critérios de rotura muscular;
- Idem, doentes de meia-idade, com diagnóstico suspeito de “bursite”, sem suspeita ou critérios de rotura muscular.