Se o leitor faz parte daquele grupo de pessoas que têm um particular medo da anestesia.
Diz-se frequentemente que a memória dos homens é curta…
… e que a ingratidão dos homens não tem limites…
Se o leitor faz parte do grupo daquelas pessoas que têm “pavor” da anestesia, por acaso já lhe ocorreu pensar como é que as coisas se passavam antes da descoberta da anestesia?
Historicamente, a data de 16 de outubro de 1846 é considerada como a data em que se realizou a primeira intervenção cirúrgica com anestesia geral, com éter.
Tome nota: há pouco mais de século e meio, quando a história da humanidade já conta mais de 100 séculos… Durante mais de 10 000 anos, a anestesia de que dispunham os nossos antepassados era pouco mais do que uma garrafa de vinho e um pau de marmeleiro … Ainda no final da Primeira Guerra Mundial, quando os alemães deixaram de ter drogas disponíveis para sedar os pacientes, as amputações eram feitas a frio; em 1914-18 ainda não havia anestesia local, a lidocaína, o mais conhecido e popular anestésico local, apenas foi introduzido em 1946, ou seja, exatamente um século após a primeira utilização do éter…
No final da histórica operação que mudou o destino da cirurgia, ou seja: a primeira intervenção oficialmente efetuada com recurso a anestesia, o cirurgião, John Collins Warren, proferiu as seguintes palavras: Daqui a muitos séculos, os estudantes virão a este Hospital para conhecer o local onde se demonstrou pela primeira vez a mais gloriosa descoberta da ciência.
Repare bem: a mais gloriosa descoberta da ciência.
Naturalmente, o Dr. Warren sabia bem o que era tentar fazer a mais simples intervenção cirúrgica sem o doente anestesiado.
Quando o “inventor” da anestesia faleceu, foi-lhe erigido um epitáfio onde constam estas palavras: Aqui jaz W.T.G. MORTON, o descobridor e inventor da anestesia . Antes dele, a cirurgia era sinônimo de agonia. Por ele foram vencidas e aniquiladas as dores do bisturi. Depois dele a ciência é senhora da dor. Erigido pelos cidadãos reconhecidos de Boston.
A propósito: W.T.G. MORTON não era anestesista -ainda não existiam- mas sim dentista. Já agora, que tal experimentar uma “simples” extração dentária sem anestesia, como era efetuada até 1846?
O mérito da descoberta e divulgação do éter como primeiro agente anestésico é uniformemente atribuído ao dentista William Thomas Green Morton. E a data da “primeira” intervenção cirúrgica realizada com anestesia geral induzida pelo éter 16 de Outubro de 1846.
Nesse dia, às 10 horas, no anfiteatro cirúrgico do Massachusetts General Hospital, em Boston, E.U.A., o cirurgião John Collins Warren realizou a extirpação de um tumor no pescoço de um jovem de 17 anos, chamado Gilbert Abbott. O doente foi anestesiado com éter pelo dentista William Morton, que utilizou um aparelho inalador inventado por ele. A cena não foi fotografada porque o fotógrafo sentiu-se mal ao presenciar o acto cirúrgico. Mais tarde foi reproduzida num quadro do pintor Roberto Hinckley, pintado em 1882. Morton, que praticara com sucesso extracções dentárias sem dor, com inalação de éter, antevira a possibilidade da cirurgia sem dor e obtivera autorização para uma demonstração naquele Hospital.
Em verdade, a primeira intervenção cirúrgica realizada com anestesia geral pelo éter foi efectuada, não em 1846 por Morton, mas em 30 de Março de 1842, na pequena cidade de Jefferson, estado da Geórgia, E.U.A., por um jovem médico de 27 anos chamado Crawford Williamson Long. Nessa altura, alguns dos efeitos particulares do éter já tinham sido notados nos EUA, tendo-se popularizado festas ou reuniões, denominadas ether frolics ou ether parties, durante as quais a inalação do éter era usada como factor de entretenimento.
O Dr. Long apercebeu-se da insensibilidade induzida por efeito do éter ao se lesionar mais do que uma vez durante essas reuniões sem nada sentir. Teve então a ideia de utilizar o éter em pequenas intervenções cirúrgicas. O seu primeiro paciente a ser operado sob a acção do éter foi um amigo de nome Venable. Na presença de várias pessoas Long extirpou dois pequenos tumores na nuca do paciente sem que ele nada sentisse. Contudo, Long não divulgou logo a sua descoberta, tendo esperado até 1848 para publicar os seus resultados. A este facto não foi concerteza indiferente o facto do Dr. Long ter sido pressionado pelas autoridades locais a abandonar o uso do éter.
Assim chegamos ao dia 16 de Outubro de 1846. No final da histórica operação que mudou o destino da cirurgia, o cirurgião Warren proferiu as seguintes palavras: Daqui a muitos séculos, os estudantes virão a este Hospital para conhecer o local onde se demonstrou pela primeira vez a mais gloriosa descoberta da ciência.
DÁ QUE PENSAR…
. O éter foi descoberto em 1275, por um químico espanhol chamado Raimundo Lilius, que lhe chamou vitriol doce (vitriol: ác.sulfúrico / sal de ác.sulfúrico). Foi sintetizado em 1540 pelo cientista alemão Valerious Cordus. O nome de éter foi dado a esta substância em 1730 pelo também cientista alemão W.G. Frobenius.
Ou seja: decorreram mais de cinco séculos, desde a descoberta do éter até à sua utilização como agente anestésico. Isto apesar de…
. em 1795, Peajson ter registado o alívio das dores de cólicas com as inalações de éter
. em 1796, Beddoes ter publicado um relato de um sono profundo induzido pelo éter.
. em 1818, Michael Faraday (1791-1867), físico inglês, ter descoberto que os vapores de éter possuíam efeitos inebriantes semelhantes aos do gás hilariante (dióxido de nitrogénio; NO2). Numa nota publicada no Journal of Art and Sciences chamou a atenção para o facto da inalação de éter produzir insensibilidade total. A descoberta foi ignorada.
. em 1796, Humphry Davy, um aprendiz de farmácia em Inglaterra, ter verificado que a inalação do NO2 produzia uma sensação agradável, acompanhada de um desejo incontido de rir (donde o nome de gás hilariante). Certa noite estava com dor de dentes. Ao inalar o gás, notou que a dor desapareceu por completo. Deduziu que o NO2 poderia ser empregado no tratamento de outros tipos de dor. Em um de seus escritos, intitulado Vapores medicinais, sugeriu o emprego do NO2 em cirurgia: Já que o gás hilariante parece possuir a propriedade de acalmar as dores físicas, seria recomendável empregá-lo contra as dores cirúrgicas. A sugestão foi ignorada.
Henry Hill Hickman, médico e cirurgião inglês, experimentou em animais a acção do NO2, tendo verificado que podia realizar pequenas operações em animais, sem que estes demonstrassem o menor sinal de dor. Tentou obter autorização da Royal Society e da Associação Médica de Londres para repetir as suas experiências em seres humanos. A autorização foi negada. A Academia de Paris, convocada especialmente para esse fim em 28/9/1828 também deu um parecer contrário, com um único voto a favor, do cirurgião Dominique Jean Larrey, que servira no exército de Napoleão e conhecia o horror dos ferimentos de guerra e das amputações. Velpeau, um dos mais eminentes cirurgiões da França, nome consagrado da medicina até aos nossos dias, declarou na ocasião que considerava uma quimera a obtenção da insensibilidade dolorosa durante o acto cirúrgico.
. em 1842, como já referido, o Dr. Long utilizou pela primeira vez a anestesia pelo éter, tendo chegado a operar 8 casos. Começaram porém a circular pela cidade rumores de que o médico estava pondo em risco a vida dos doentes, de maneira que, um dia, uma comissão constituída pelas autoridades locais foi ao seu consultório pedir para ele renunciar a essas práticas audaciosas, pois, se um doente morresse, ele poderia ser linchado em consequência da revolta da população, costume que era frequente na época. Long abandonou o uso do éter e as suas experiências pioneiras só se tornaram conhecidas anos depois.
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